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Em “O nascimento da crônica”, Machado de Assis escreve: “Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca.” No momento: 37ºC. Que calor, caro/a leitor/a! Sempre me questionei como Machado conseguia escrever em pleno Rio 40 graus com toda aquela indumentária fashionista da época. O que fazia para mitigar os efeitos do calor? Não acho que chegou a colher os benefícios do ventilador elétrico, inventado em meados de 1880. Machado morreu em 1908. Imagino que diante da página em branco agitava continuamente um leque ou uma ventarola. Sinto que o sol provoca aridez na minha performance escrita. Espero a palavra surgir enquanto os pingos de suor descem pela nuca. O gelo diluído na Coca com limão prova que a temperatura alta só torna tudo mais efêmero. Há uma certa apatia que se instala num céu monocromático. Falta alguma coisa. Talvez uma trovoadinha como prenúncio de chuva para acalmar os ânimos exaltados daqueles cuja inveja mora no ar-condicionado do vizinho. Alguns estudos comprovam o impacto do calor na habilidade cognitiva. Claro, não se aplica às cigarras que são afeitas ao verão e aproveitam para cantarolar em altos decibéis. Meu canto é de lamúria com esse clima de quase cremação. Um autoexílio na Sibéria não soa de todo mal. Dostoiévski escreveu grandes obras depois de um período na região (período um tanto atribulado, eu sei). Ao imbróglio de veraneio juntam-se alguns episódios de vertigem durante o dia. Nada tão alarmante se pensarmos na possível extinção do urso polar e o degelo do Ártico. Serão mais alguns meses de queixas antes do outono. Enquanto isso, penso no epitáfio para o verão. Embaixo de alguma sombra. The Splash - David Hockney